segunda-feira, 6 de outubro de 2014

(1981) Eles não usam black tie - Leon Hirszman

Em 1981, o povo brasileiro tomava as rédeas do seu destino e desarranjava a transição “lenta, gradual e segura” proposta pelo governo Geisel durante a década de 70. Os governos militares fracassaram na condução da economia, cuja maior expressão foi o bolo do crescimento econômico nunca dividido. Com a desigualdade social cada vez maior e as grande cidades inchando com contingentes populacionais migrando em ritmo acelerado, a qualidade de vida para uma imensa parcela de cidadãos se deteriorava. Os salários baixos, a desigualdade social escandalosa (o índice de gini, que demarca a desigualdade atingiu na década de 80 seu pior resultado, 0,636), os serviços básicos de saúde, moradia, educação, todos precários, frente a um povo que lutava pelo retorno aos direitos civis básicos, punham em movimento diferentes tipos de movimentos reivindicatórios. A “modernização conservadora” do país provocou uma maior pluralização e, em sentido contrário ao desejado pela ditadura, e por ela combatido, a um fortalecimento da organização popular autônoma frente ao Estado.

Neste filme dirigido por Leon Hirszman, essa combinação, aos olhos de uma família de operários no subúrbio da cidade grande, fornece uma dimensão riquíssima e inspiradora na interpretação de atores e atrizes fabulosos, como Gianfracesco Guarnieri (Otávio), Fernanda Montenegro (Romana), Bete Mendes (Maria), Carlos Alberto Riccelli (Tião), Milton Gonçalves (Bráulio) e Francisco Milani (Santini). A obra é inspirada na peça de mesmo nome e que, em São Paulo, ficou em cartaz durante um ano inteiro – fato inédito no teatro nacional.

No primeiro momento, conhecemos Tião e Maria, operários na fábrica e namorados. Diante da revelação da gravidez de Maria que conta a novidade a Tião na casa do namorado, ambos decidem noivar. Apesar dessa situação não estar nos planos de Tião, que pesa a condição financeira para sustentar uma família neste momento, ele recebe com contentamento a notícia, a qual anuncia ao seu irmão caçula, ao pai e à mãe, que já desconfiam, embora não tenham conhecimento, do real motivo para um noivado tão apressado. Neste momento, Maria se comporta dócil e passivamente, não exige nada, mas tem expectativas sobre o comportamento do futuro pai do seu filho, as quais são imediatamente satisfeitas por ele.


Suas famílias, simples, mas de uma humanidade transbordante, aceitam bem a novidade, embora as preocupações com a manutenção de um novo lar e a instabilidade do emprego dos noivos sejam questões que pairam constantemente. Otávio, pai de Tião, é um dos cabeças do movimento sindical na fábrica, movimento que aqui aparece na sua forma mais primitiva e autenticamente popular tal como se forja, com enorme influência, naquele período – sem grandes estruturas, com alto grande de solidariedade, espírito crítico e cooperação. Sua grande insatisfação com a maneira com que os patrões tratam a categoria é constante e ele organiza ações políticas com outros colegas para denunciar a situação dos trabalhadores e exigir melhorias.

Tião, que viu o pai ser preso duas vezes pelos militares, não deposita nenhuma fé na organização sindical. Influenciado por Jesuíno (Anselmo Vasconcelos), ele está convencido a colaborar com os patrões e entregar os nomes de líderes do movimento. Em virtude disso, os donos da fábrica demitem alguns dos principais cabeças visando a desarticulação sindical. A greve se aproxima, mas o que Tião espera é tirar proveito dessa oportunidade, o ponto alto da trama.

Quando a greve eclode, enquanto Otávio e outros trabalhadores apanham da polícia na tentativa de mobilizar os colegas, Tião assiste a tudo friamente, convocando os trabalhadores a não se juntarem aos protestos e se dirigirem ao trabalho. Seu pai é levado à prisão e a sua noiva é agredida na barriga por um homem a serviço dos patrões e levada ao hospital sangrando. Forma-se um rede de solidariedade na busca por informações e por conforto aos mais afetados pela reação patronal.

Após retornar à sua casa, Tião é hostilizado por Maria, que abandona o caráter frágil e manso para romper os laços que os unem. Ela não aceita o comportamento submisso e vassalo do seu agora ex-noivo em relação aos patrões. Seu pai, Otávio, e sua mãe, Romana, repetem na severidade da atitude a rejeição à personalidade do filho, expulsando-o do lar.

O filme termina de forma tocante, após o assassinato de um dos principais líderes dos trabalhadores, Bráulio, durante a mobilização da categoria. Uma ampla solidariedade se forma em torno da vítima, unindo não apenas os trabalhadores, mas outras categorias sociais em prol das reivindicações dos operários.

Eles não usam black tie (1981) é um filme histórico que retrata de forma muito rica e abundante os detalhes, gestos e hábitos de um certo contingente social, num determinado momento histórico, e que contribuiu para transformar a relação entre Estado e sociedade civil no Brasil, revelando, a seguir, a maior liderança popular do país nas últimas décadas, o ex-presidente Lula.

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