Minha introdução na vasta obra do diretor francês Eric Rohmer (dirigiu 27 filmes a partir de À Sonata de Kreutzer até Os Amores de Atrée e Céladon) é firmada através dos personagens principais, profundos e complexos, da obra Amor à Tarde, de 1972. No primeiro plano, temos Frédéric (Bernard Verley), sócio de uma pequena firma parisiense, casado com Helene (Françoise Verley), uma professora com quem acabara de ter o segundo filho. Logo de cara, mesmo sem conhecer muito do estilo adotado pelo diretor, somos transportados a um filme que explora, dentre outros, o íntimo de uma das mais angustiantes, enigmáticas e impenetráveis questões humanas: o desejo sexual.
Em uma das primeiras cenas, a caminho do trabalho, deslocando-se dentro do trem e envolto em seus pensamentos, Frédréric admira uma jovem mulher e põe-se a admitir que, a partir do seu casamento, passou a "achar todas as mulheres bonitas", admirando seus gestos e tentando reencontrar o mistério que possuíam antes. No entanto, os desejos do protagonista não passam disso, de admiração e contemplação. Na cena a seguir, sem grande importância no conjunto dessa obra, mas de grande valor na filmografia do diretor francês, Frédéric, enquanto caminha no mar de gente de Paris, exalta a cidade grande em detrimento do campo e da periferia, que o oprimem.
A vida deste personagem parece seguir um roteiro constante e inabalável até o dia em que a ex-amante de um grande amigo seu, Chloé (Zouzou), começa a visitá-lo regularmente com o propósito de seduzi-lo. Ela, com toda a fragilidade, inconstância e instabilidade que vai demonstrando a cada visita, parece situar-se numa oposição a Helene. Chloé coleciona diferentes empregos, residências e amores (um tanto confusos e utilitaristas). Muito semelhante à oposição entre as personagens Lou e Lucie de Antes do Inverno (2013), mas sem o desfecho trágico desta obra.
A partir desse reencontro, o enredo, em sua maior parte, abordará o desdobramento da relação entre os dois, a partir do mistério, da cumplicidade e do desejo que dão forma à excitação dos encontros, cada vez mais esperados e necessários para Frédréric, que envolve-se gradativamente por Chloé. Como é da característica do diretor, não poderiam faltar discussões filosóficas e existenciais, como quando ambos discutem sobre a poligamia e o protagonista descreve essa prática como "escravidão da mulher". "Não se a mulher também for adepta", ela responde, sucedida por Frédréric que diz que se daria bem numa sociedade assim, mas na atual, com as regras com as quais deve viver, prefere ser monogâmico a basear a vida em mentiras.
Há uma certa racionalidade no comportamento afetivo dos personagens, os quais, diferentemente do senso comum, lidam de maneira mais natural e livre com um tema que costuma oprimir consideravelmente a maioria das relações conjugais.
O que poderia ser uma desvantagem para o filme aos olhos da grande maioria das pessoas, as quais estão acostumadas à velocidade da nossa sociedade atual - em que tudo é instantâneo e efêmero -, que é a narrativa lenta somada a diálogos longos e inteligentes, é, na minha opinião, um diferencial a ser aproveitado em Amor à Tarde. Sem a profundidade alcançada pelo diretor, seria inevitável recair em esteriótipos e conclusões simplistas sobre os personagens, como é rotineiro no cinema em decorrência do tempo exíguo para lidar com tantas variáveis na realização de uma obra.
A contradição da relação entre Frédréric e Helene, quase burocrática, na qual ambos pouco têm a conhecer um do outro, e entre Frédréric e Chloé, cheia de energia e de novidades, é típica da existência humana. A partir do momento em que se rompem as ilusões e caem as máscaras, o indivíduo de carne e osso, não aquele idealizado, ganha materialidade e ressignificação.
Um filme a se contemplar, refletir e assistir sem pressa, sorvendo cada parte e observando a nós mesmos através dele.
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