quinta-feira, 24 de julho de 2014

[Literatura] Pontos de Vista de um Palhaço (1963, Heinrich Böll)

- Procure me entender, Hans - disse em tom de lamúria.
- Eu te entendo bem, desgraça! E muito bem.
- Mas que tipo de gente é você, Hans?
- Sou um palhaço, e coleciono instantes. Adeus.
E desliguei.

Trecho de Pontos de Vista de um Palhaço, de Heinrich Böll


Começarei a escrever pelo livro mais recente que li e que homenageia o título do blog através de um trecho localizado já na sua parte final. Pontos de Vista de um Palhaço, escrito pelo romancista alemão Henrich Böll (1917-1985), Prêmio Nobel de Literatura de 1972, se passa numa Alemanha recém saída da 2ª Guerra Mundial, sob a influência dos países vencedores do conflito e acometida de divergências ideológicas e religiosas profundas. Há um caráter autobiográfico no livro, visto que Böll, tal como o protagonista, Schnier Hans, descende de uma família católica que posteriormente se converteu contrariamente ao nazismo. As críticas à Juventude Hitlerista nos lembra que Heinrich, na adolescência, recusou-se a fazer parte dessa organização.

Voltando ao livro, a história gira em torno de Schnier, filho de uma família industrial alemã, católica e sovina. Ele acaba de voltar para sua cidade natal, Bonn, à casa herdada pelo seu avô. A partir daí, o que teremos são lembranças reflexivas e reencontros que nos fazem entender suas autênticas angústias, seus medos e desejos.

A começar pela sua própria família. O pai, com todo seu sucesso profissional em contraste com suas frustrações no ambiente doméstico pelo destino dos seus dois filhos homens e pela filha, Henriette, que aos 16 anos morreu combatendo na 2ª Guerra Mundial. Seu rigor e exigências de convenções em relação à prole contrasta com a vida extraconjugal que mantém. Ele é definido como um sujeito sem vitalidade ou passionalidade e me faz lembrar os tipos que definem ambições materiais para sua vida e chegam ao fim dela se perguntando para quê, afinal, a vida valeu a pena?

Sua mãe não merece grandes comentários. O abismo que a separa de de Schnier nos faz, por alguns momentos, acreditar que este seja orfão, na verdade. A ausência de proximidade, de sentimento intenso entre mãe e filho não é notado em nenhum instante, mas sim um sentimento de vergonha, de distanciamento e de frustração de ambos os lados. O irmão do protagonista, Leo, um jovem alto e loiro, estudante de teologia, à exceção dos momentos em que é descrito apoiando financeiramente o irmão, não merece grande atenção ao longo da história.

Heinrich Böll, Nobel de Literatura de 1972
A crítica mais ácida e eloquente gira em torno dos personagens católicos, como Kostert, um promotor que contratou Schnier para uma apresentação e lhe pagou menos do que o acordado, economizando ao máximo o acerto financeiro. Outros como Kinkel, Blothert e Sommerwild são apresentados como figuras patéticas, hipócritas, às vezes esnobes, sem muito o que oferecer exceto uma religiosidade frágil e sem sentido. E justamente a religiosidade que ganha ainda mais fervor na perda de Hans Schnier de seu amor, Marie, que o abandonou para casar com Zupfner, um personagem a quem Schnier não dedica grandes críticas, até elogio sincero à sua convicção e atitude religiosa.

O momento em que o protagonista encontra o seu pai é um dos mais intensos do livro, em especial a frustração da juventude por não contar com uma alimentação à altura do que poderia oferecer a sua família - diferentemente do acontecia nas casas de famílias menos abastadas -, ou de não ter contado com seus pais que, por puro moralismo, apesar da fortuna, não o ajudaram quando ele mudou-se com Marie quando ela engravidou.

Interpreto o livro como uma crítica ao modo burguês de vida. Forçosamente estético, envolto em aparências e incapaz de desfrutar a vida da maneira mais plena possível. Pontos de Vista de um Palhaço é um livro intenso e agradabilíssimo, que flui de uma maneira fácil e nos faz viajar por uma sociedade e uma consciência que ainda nos prende e amarra, limitando as possibilidades da vida.