quarta-feira, 1 de outubro de 2014

(1985) Brazil - Terry Gilliam

 Em Brazil (1985), estamos em uma sociedade distópica, comandada por uma burocracia sem rosto, em que tudo é regido por papéis e procedimentos extenuantes, os quais são manobrados e manuseados não por uma impessoalidade weberiana, mas por um fetichismo onde máquinas e regras se impõem sobre os cidadãos e os controlam sem que haja uma esfera intermediária de regulação dos seus interesses. Prédios enormes e sem vida que sediam a administração pública funcionam como espaços asfixiantes, sufocantes, numa sociedade cujo extenso controle sobre o indivíduo anula e inviabiliza a existência de diferenças. A experiência visual dessa sociedade criada por Terry Gilliam é fascinante.

Há uma série de críticas sociais nesta obra que tem uma clara inspiração em 1984, de George Orwell. As inovações tecnológicas, a título de exemplo, são claramente incompreensíveis e parecem nunca funcionar a contento. Sua manutenção depende também de um Estado e de uma papelada que conduzem a um jogo de poder pessoal inerentemente conflituoso. A burocracia legisla, julga e executa, sendo a articuladora do simulado equilíbrio social. A alienação de amplas camadas sociais se dá pela inserção no consumo e no culto à beleza.

O enredo gira em torno de Sam Lowry que, após uma confusão boba que faz com que o Estado confunda um cidadão inocente com um terrorista, se envolve no caso e, na sequencia, mais profundamente, ao constatar que a mulher que aparece em seus sonhos está envolvida na discórdia. Aliás, atentados à bomba parecem ser tão banais nessa sociedade que as pessoas já não parecem se incomodar com a sua frequência.

Lowry é um indivíduo deslocado desse mundo. Ele não deseja a promoção que a mãe lhe consegue, não lhe atrai a esposa prometida, mas não há para si um ponto de fuga, a não ser nos seus próprios sonhos, momento em que enfrenta inimigos excêntricos e salva a mocinha do vilão. Na realidade, ele é apenas mais uma impotente peça que integra a engrenagem dessa sociedade bizarra e fria.

Brazil é uma caricatura do nosso mundo, no qual a reiteração dos horrores e das fraquezas humanas nos levam à naturalização dos problemas do nosso tempo e à indiferença quanto a esses. Não só isso, como a própria superficialidade dos nossos refúgios expressam uma natureza humana banal, vulgar e insignificante. Não poderia ser mais atual e rico em significados.

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