segunda-feira, 8 de setembro de 2014

(1993) A Árvore, o Prefeito e a Mediateca - Eric Rohmer

Uma série de confrontações se revelam nessa obra de Eric Rohmer. O prefeito de uma pequena cidade francesa, Julien Dechaumes (Pascal Greggory) membro do Partido Socialista, pretende construir um grande espaço multimídia na região rural, englobando biblioteca, espaço para exposição de filmes e um ambiente voltado a apresentações teatrais. Essa é a sua grande vedete, busca-se que seja a mais importância obra de sua administração, capaz de galgá-lo a posições políticas ainda mais expressivas. 

As variáveis e os impoderáveis da política, as subjetividades que se revelam a partir dos interesses dos cidadãos em torno das ações governamentais e a influência da mídia se descortinam em meio à busca da execução do projeto pelo prefeito. Os diálogos bem construídos e envolventes entre ele e a escritora Bérénice Beurívage (Airelle Domsbale), por quem Dechaumes é apaixonado, dão uma perspectiva pessoal muito original em relação à contenda política.

Embora já se tenham passado mais de duas décadas do lançamento do filme, suas premissas são completamente atuais. Afinal, entre a possibilidade de construir um espaço público que irá proporcionar emprego e desenvolvimento, refreando a sangria migratória das regiões rurais para as urbanas, e a preservação da paisagem rural, o que é mais importante, se é que é possível ter uma opção?

E entre construir um espaço completamente funcional, acabado e completo, e um espaço de maior liberdade de interpretação e remodelação a partir de uma sociedade viva e criativa, o que deve ser feito? E como trabalhar a relação de diálogo entre uma parcela de pessoas insatisfeitas com projetos governamentais e o poder público na resolução dos problemas que afetam a coletividade?

Segundo Weber (1864-1920) a característica mais importante da sociedade moderna é a racionalização. Nesse sentido, é mesmo racional uma grande mediateca toda pensada e planejada em tornos de finalidades específicas, voltando-se firmemente para os interesses econômicos, quando os mesmos recursos poderiam ser aplicados em menor soma em prol da mesma finalidade, mas não são pela própria burocracia racional, na aquisição de imóveis baratos no próprio vilarejo, conforme sugeriu a filha do professor?

A maneira singular e natural como o autor evidencia as causalidades na cadência da vida é feita de forma muito inteligente. Cada capítulo é introduzido pela conjunção adverbial condicional "se", mas o que torna esse recurso tão importante é que as mudanças que a acompanham se associam à relação quase espontânea dos personagens com o mundo, pouco refletida ou constatada por eles.

O filme tem muito a ver com as discussões sobre territórios e os elos constituídos sobre eles, a partir das dimensões de escala (como o projeto que afeta uma pequena cidade entra em crise depois que o partido socialista perde a eleição nacional), dimensões abstratas (a apropriação simbólica sobre a natureza), materiais de origem natural (comportamento do homem, buscando dominar e moldar a natureza em torno dos seus interesses), jurídico-política (o poder que se manifesta pela vontade de quem governa) e econômica (o projeto e sua finalidade de atrair indústrias e empregos).

É por uma capacidade extraordionária de trabalhar com profundidade as várias dimensões da espécie humana que Rohmer, embora com roteiros prosaicos e habituais, consegue ser sempre filosófico e reflexivo.

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