quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Estrangeiro (Albert Camus, 1942)

Mersault é um sujeito atípico e conformado. Não uma conformação como a de quem espera a salvação na vida eterna e aceita passivamente o seu destino aguardando a compensação futura. Ele não espera nada da vida, não guarda grandes ilusões, desejos ou ambições. Sua resposta típica é "tanto faz". Quando a sua mãe morre, ele vai ao seu enterro de maneira protocolar, lamentando por conta do tempo que leva até chegar ao asilo onde ela passou seus últimos dias. Preferia que não houvesse a obrigação moral que exige sua presença nas cerimônias que se sucedem ao falecimento.

Para ele, todas as vidas se equivalem e o hábito resigna as pessoas, as quais se adaptam às suas novas condições sem maiores conflitos pessoais. Assim foi com a sua mãe, que o seguia com os olhos o tempo inteiro quando estava em casa e que, apesar da alteração proporcionada pela mudança para o asilo, teria, ao fim de alguns meses, chorado se a tivessem tirado de lá. Suas reflexões, francas, são profundamente humanas, como quando declara que todos os seres normais já haviam, em certas ocasiões, desejado, em alguma medida, a morte dos que amavam.

Pouco tempo após a morte da sua mãe, acompanhado da sua nova namorada, Marie, ele vai à casa de praia do amigo de seu vizinho, Sintès. Este está envolvido numa relação conflituosa com uma mulher e esse conflito terá um desfecho trágico na praia. Tomando as dores do amigo, Mersault, numa ocasião inusitada e estranha, portando a arma do amigo, desfecha quatro tiros contra o rival de Sintès, sendo preso por isso.

A seguir, na prisão, temos uma série de eventos que fazem relação com o julgamento. A pouca importância sobre a existência de Deus diante do juiz confirmam a personalidade prática do protagonista. Nem a possibilidade de ser condenado à morte o afeta. Qual é a diferença entre morrer agora ou morrer daqui a 20 ou 30 anos? O planeta tem 4,8 bilhões de anos e nossa existência individual (e mesmo a da espécie, que está na Terra a um período relativamente pequeno) nada mais do que é um simples sopro. Mortos, sem esperança de uma outra vida à nossa espera, nada disso terá mais qualquer importância. Não somos nós, apenas, que acabamos, mas o próprio mundo, o universo. Tudo, nessas condições, não passam de um nada.

Outras pessoas olhariam esse cenário e buscariam aproveitar o tempo de sua passagem na Terra, otimizando o prazer e adotando no hedonismo um refúgio diante da condição natural de que todos, na medida em que vivemos, damos, ao mesmo tempo, um passo a mais no encontro com a morte. Mersault é indiferente e um bom exemplo disso é quando aceita o casamento com Marie, sem discussão, sem buscar demover tal ideia como também sem grande entusiasmo diante da proposta.

Condenado à morte, não se desespera. Nega a visita do capelão e, apesar da insistência deste que acaba o encontrado, mantém-se fidedigno às suas convicções. É um personagem interessantíssimo,  cerebral, bem construído e contemporâneo. Sua riqueza maior está na ausência de superficialidades ou de guarida diante de uma sociedade fanática pelo padrão e pelo comum. Mersault é senhor de si, dotado de consciência crítica e emancipado das ilusões humanas que nos são tão presentes e intensas.

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