domingo, 3 de agosto de 2014

[Cinema] Antes do Inverno (2013), de Philippe Claudel

Antes do Inverno (2013), de Philippe Claudel
Eu sou um fã incondicional do cinema francês. Nunca deixo de me enfeitiçar com os filmes deste país em que a paisagem funciona como um personagem da obra, atuando num encantamento sutil. Em Antes do Inverno (2013), de Philippe Claudel, Paul (Daniel Auteuil) é um neurocirurgião prestigiado e bem sucedido profissionalmente, casado com Luci (Kristin Scott Thomas). No enredo, percebemos a vida do casal como uma relação mecânica de duas pessoas que já não têm mais nada a descobrir uma da outra. Escutam música juntos, comem juntos, dormem juntos, vão à opera, têm um filho, um neto, coisas que, provavelmente, um dia fizeram grande sentido em suas vidas, mas, tal como costuma proceder como resultado da rotina e de assimetrias irreconciliáveis, deixam de provocar encantamento e prazer com o tempo.

Assisti recentemente a um belíssimo filme argentino chamado Lugares Comuns (2002), em que no centro do enredo está um casal beirando os 60 anos, ele professor universitário e ela uma assistente social, também com um filho e neto, que, diferentemente de Paul e Luci, possuem uma simetria ímpar em torno dos prazeres da vida e uma semelhança de ideais que os torna autênticos companheiros. É contrastante com a enorme sala de jantar de Antes do Inverno, onde o casal escuta música clássica e conversa pouco. Não há o que dizer. Ela abdicou de uma vida profissional em nome da família, enquanto ele mal fica em casa e quase não tem tempo para a esposa em virtude do trabalho. Seus mundos são tão distantes que quando Paul pergunta a Luci por que ela acorda tão cedo, Luci responde que é para vê-lo um pouco, antes que Paul saia para o trabalho sem hora para voltar.

Quando Paul encontra Lou (Leila Bekhti), atendendo numa brasserie, e esta lhe diz que já foi tratada por um problema de apendicite por ele, estranhamente Paul começa a receber buquês de flores em sua casa e no seu consultório, provocando uma reviravolta em sua vida. Ele desenvolve uma relação de afeto por Lou à medida em que se aproxima dela, comovendo-se com sua vida quanto mais a conhece. O efeito é semelhante ao provocado na personagem de Woody Allen, Rowlands, em A Outra (Another Woman, 1988), uma mulher fria, metódica e organizada, cujos medos parecem despertar ao escutar, por acaso, a história de uma jovem grávida ao seu psiquiatra.

Em determinados momentos do filme, Paul mostra o quanto sua vida corre sem sentido, como quando confidencia ao seu amigo que nunca sonhou com nada e que deixou a vida rolar como uma pedra. Não é a mesma preocupação de Ivan Ilitch (A Morte de Ivan Ilitch, 1886, de Tolstói), um dedicado burocrata, que sempre buscou uma solução para sua vida pessoal e profissional que fosse satisfatória diante de seus amigos mais altamente colocados, e que ao descobrir-se com um problema na região do rim que lhe encerraria a vida, reflete que estava descendo a montanha achando que a galgava?

O mistério em torno da jovem atendente, Lou, é resolvido de maneira surpreendente, mas em harmonia com a obra. As paisagens bucólicas e a trilha sonora estão em plena sintonia, revelando muito sobre a busca pela estabilidade e a irreflexão do personagem principal em torno de um estilo de vida previsível, constante e seguro.

NOTA: 8,5

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