segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Introdução à obra de Durkheim

Emile Durkheim (1858-1917)
Comecei nesta semana um estudo sobre alguns dos principais formuladores do pensamento político e sociológico. A partir do livro de Raymond Aron, iniciei os estudos por Durkheim. O primeiro livro deste autor chama-se Da divisão do trabalho social, de 1893, e nele percebe-se uma forte discussão quanto à relação entre o indivíduo e à coletividade. A chegada ao consenso e a construção de uma sociedade apresentam-se como algumas das questões.

Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

A construção da sociedade através de uma coletividade de indivíduos é possível por dois tipos de solidariedade. Na mais primitiva delas, a solidariedade mecânica, os indivíduos diferenciam-se muito pouco entre si, detendo valores, ideias e sentimentos semelhantes. Na solidariedade orgânica, a sociedade funciona como um organismo vivo, em que cada órgão é diferente, mas interdependente, formando uma unidade harmônica. Todos são indispensáveis.

Consciência coletiva

Segundo Durkheim, a consciência coletiva é "o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade", o qual "forma um sistema determinado, que tem vida própria". Nas sociedades onde impera a sociedade mecânica, a consciência coletiva exerce um maior poder sobre o indivíduo, orientando a existência a partir dos imperativos e proibições, enquanto nas orgânica, este tem maior liberdade para pensar, agir, querer e crer conforme suas preferências.

Apesar disso, não é o indivíduo que explica o desenvolvimento da sociedade, mas o contrário. Se a solidariedade mecânica precede a orgânica, então é a sociedade que explica os indivíduos. A consciência da individualidade, marca das sociedades mais complexas, resultam da própria divisão do trabalho.

A explicação até então atribuída à divisão do trabalho apregoada como a busca pelas pessoas da felicidade é contestada pelo autor, que julga não ser possível afirmar que as pessoas são mais felizes hoje do que no passado. Segundo ele, é a densidade material, ou seja, o número de indivíduos em relação a uma superfície dada no solo, mais a densidade moral, que amplifica a intensidade das comunicações e trocas entre os indivíduos, que produz a necessidade da diferenciação social. Isso é parte do conceito de Darwin, que afirma que quanto mais numerosos os indivíduos que procuram viver em conjunto, mais intensa é a luta pela vida.

Nessa sociedade que parte para uma diferenciação, o desafio é manter o mínimo de consciência coletiva, à falta da qual a sociedade acabaria se desintegrando.

O suicídio (1897)

Para Durkheim, a divisão do trabalho e a modernidade, apesar de positivos, não trouxeram necessariamente mais felicidade. Ao contrário, há um ambiente de crise econômica, inadaptação dos trabalhadores às suas funções e violência das reivindicações dos indivíduos em relação à coletividade. Os homens se sentem diferentes uns aos outros e cada um deseja obter aquilo a que julga ter direito.

O desafio central é a relação entre o indivíduo e a coletividade. O homem tornou-se consciente demais sobre si para aceitar passivamente os imperativos que lhe recaem. Levando-se em conta que nada pode ser tão individual quanto o sujeito que decide tirar a própria vida, Durkheim busca compreender até que ponto os indivíduos podem ser determinados pela realidade coletiva.

Ele classifica o suicídio a partir de três tipos: o egoísta, o altruísta e o anômico. Este último é o que mais interessa a Durkheim, que busca compreender a relação entre a frequência dos suicídios e as fases do ciclo econômico. Ele chegou à conclusão de que em fases de grande crise, mas também de grandes prosperidade, elevam-se o número de suicídios, enquanto há redução em grandes momentos políticos, como as guerras.

Para o autor, nas sociedades modernas os homens têm grandes expectativas, que vão sendo frustradas pela desproporção entre suas ambições e as realizações. Há um sintoma que é patológico, resultado da desintegração do indivíduo na coletividade.

domingo, 10 de agosto de 2014

[Cinema] Fim de Semana em Paris (2013, Roger Michell) / Lee Weekend

Duas coisas me uniram a esse filme: primeiro, a cidade de Paris como um personagem atraente e sofisticado diante do casal que depois de anos volta a ela e, segundo, o próprio casal de senhores com sua convivência complexa e conflitiva, como é de se esperar após anos de relação conjugal quando as incertezas e angústias da existência vão ganhando contornos mais bem definidos.

Nick (Jim Broadbent) e Meg Burrows (Lindsay Duncan)

Em Fim de Semana em Paris, Nick (Jim Broadbent) e Meg Burrows (Lindsay Duncan) buscam reencontrar o romance em seu 30º aniversário de casamento. Paris, lugar onde o casal passou sua lua-de-mel, é a cidade para onde regressam. A chegada é atabalhoada, já que Meg ignora as preocupações financeiras de Nick e exige condições melhores para ambos, visto que o próprio hotel onde outrora se hospedaram está agora, para Meg, decadente. É algo como ler Sidney Sheldon aos 12 anos e depois lê-lo aos 25.

A personalidade do casal é destoante e é possível se perguntar, ao longo do enredo, como pessoas com perfis tão diferentes puderam manter uma relação que já dura 30 anos. Nick aparece ao espectador como um sujeito acomodado, conformado e tolerante com a vida. Meg, ao contrário, é uma mulher idealista, cheia de energia e disposição. Seu domínio sobre a relação parece ser inequívoco, tal como sua insatisfação, quando, no restaurante caro, numa noite parisiense, ela afirma querer aprender italiano, tocar piano e dançar tango.

O filme tem uma harmoniosa fotografia contendo lugares realmente belíssimos e cativantes de Paris, como a Torre Eiffel à noite, a Basílica de Sacre Couer (e a visão que se tem da cidade a partir de lá) e o Obelisco. Quando Nick reencontra um velho amigo (Jeff Goldblum) e visita-o numa confraternização entre amigos, no dia seguinte, a história alcança seu clímax e os conflitos ganham repercussão e resolução pública de uma maneira que julgo tolerável, mas pouco coerente.

É um filme leve, gostoso, divertido e agradável.

domingo, 3 de agosto de 2014

[Literatura] Fantasma Sai de Cena (2004, Philip Roth)

Philip Roth, romancista americano

Buscando na internet autores contemporâneos de prestígio e reconhecimento (são mais fáceis para quem tem pouco tempo ou prática na arte de garimpar obras), conheci Philip Roth, um romancista americano nascido em 1933, em Newak, Nova Jersey. Roth é considerado um dos maiores escritores dos Estados Unidos da segunda metade do século XX, sendo boa parte de sua obra tematizada pela natureza do desejo sexual e a autocompreensão. Sua ficção é caracterizada pelo monólogo íntimo, com humor e uma energia que alcança o histerismo.

Meu primeiro livro de Roth é Fantasma Sai de Cena (Exit Ghoster, 2004). O personagem principal, Nathan Zuckerman, alter ego de Philip Roth, é um escritor septuagenário que vive nos Montes Berkshire, a 200 quilômetros de Manhattan, levando uma vida isolada cerca de dois anos antes de ter sido diagnosticado com câncer de próstata. 11 anos atrás ele havia se mudado de Nova Iorque após receber uma série de cartas anônimas que continham ameaças dirigidas a si. Ele retornava agora à cidade para realizar uma cirurgia com o propósito de ter um maior controle da esfíncter, dado que desde a prostatectomia (remoção cirúrgica da próstata), ele não conseguia administrar o fluxo de urina e não possuía capacidade de ter relações sexuais.

Zuckerman necessita, após a cirurgia, passar um tempo maior na cidade para acompanhar a evolução do procedimento médico. Do seu quarto de hotel vê um classificado que lhe interessa: um jovem casal de escritores deseja permutar, durante um ano, sua residência, por outra localizada no campo. O escritor liga e marca uma conversa para o quanto antes, desejoso de realizar logo o negócio. Antes disso, ele havia revisto, de longe e involuntariamente nas proximidades de um restaurante, Amy Ballette, que com seu chapéu vermelho e cardigã de cor clara, em nada se parecia com aquela mulher que 50 anos atrás encantara seu autor preferido, E. I. Lonoff, o qual se separara da mulher, Hope, para viver com Amy até morrer.

Por uma coincidência do destino, que costuma aprontar e embaralhar a vida de quem só quer sossego, o casal do classificado, incide sobre a vida de Nathan Zuckerman de forma arrebatadora. Num aspecto, o protagonista se encanta com Jamie Logan, a mulher do casal, cujo rosto alongado e estreito, emoldurado por cabelos negros, lisos e finos, até um pouco abaixo dos ombros, revelava uma beleza e uma personalidade contagiante. É o suplício de Tântalo de Zuckerman, já que mesmo que Jamie se encantasse pelo protagonista, as restrições fisiológicas deste impediam a realização de qualquer propósito sexual.

Por outro lado, Jamie e seu marido, o jovem gorducho com jeito suave e simpático, Billy Davidoff, eram amigos de Richard Kliman, escritor sobre assuntos literários e culturais, que está obcecado com a possibilidade de escrever sobre um grande segredo sobre a vida de E. I. Lonoff. Ele cerca Amy e Nathan Zuckerman para que ambos contribuam com seu livro, visto que ambos se negam a ajudar.

"Não há uma situação que um homem apaixonado não consiga explorar em proveito próprio"

Essa frase, para mim, define a relação que os personagens masculinos desenvolvem em toda a obra. Zuckerman, apaixonado por Jamie, dá extensão à sua mais recente obra literária criando diálogos fictícios e dotados de qualidade sexual entre ambos. Kliman, por sua vez, apaixonado pela ideia de escrever uma obra com potencial de sucesso, empreende uma batalha fortemente ofensiva para conseguir a contribuição de dois indivíduos que detêm conhecimentos essenciais para seu livro. Billy Davidoff, por sua vez, aproveita por si a história e a vida de Jamie num movimento de descoberta e autodescoberta e de dedicação conjugal anômalo.

Como pano de fundo da obra, o medo e a neurose novaiorquina pós-11 de setembro. A vitória de Bush nas eleições de 2004, contra Al Gore, representam para o casal Jamie e Billy um convite a novos ataques terroristas e a expansão do clima de ódio contra os americanos ao redor do mundo. O medo que acompanha o casal é o principal motivo para que Jamie, principalmente, opte pela mudança da cidade para o campo.

[Cinema] Antes do Inverno (2013), de Philippe Claudel

Antes do Inverno (2013), de Philippe Claudel
Eu sou um fã incondicional do cinema francês. Nunca deixo de me enfeitiçar com os filmes deste país em que a paisagem funciona como um personagem da obra, atuando num encantamento sutil. Em Antes do Inverno (2013), de Philippe Claudel, Paul (Daniel Auteuil) é um neurocirurgião prestigiado e bem sucedido profissionalmente, casado com Luci (Kristin Scott Thomas). No enredo, percebemos a vida do casal como uma relação mecânica de duas pessoas que já não têm mais nada a descobrir uma da outra. Escutam música juntos, comem juntos, dormem juntos, vão à opera, têm um filho, um neto, coisas que, provavelmente, um dia fizeram grande sentido em suas vidas, mas, tal como costuma proceder como resultado da rotina e de assimetrias irreconciliáveis, deixam de provocar encantamento e prazer com o tempo.

Assisti recentemente a um belíssimo filme argentino chamado Lugares Comuns (2002), em que no centro do enredo está um casal beirando os 60 anos, ele professor universitário e ela uma assistente social, também com um filho e neto, que, diferentemente de Paul e Luci, possuem uma simetria ímpar em torno dos prazeres da vida e uma semelhança de ideais que os torna autênticos companheiros. É contrastante com a enorme sala de jantar de Antes do Inverno, onde o casal escuta música clássica e conversa pouco. Não há o que dizer. Ela abdicou de uma vida profissional em nome da família, enquanto ele mal fica em casa e quase não tem tempo para a esposa em virtude do trabalho. Seus mundos são tão distantes que quando Paul pergunta a Luci por que ela acorda tão cedo, Luci responde que é para vê-lo um pouco, antes que Paul saia para o trabalho sem hora para voltar.

Quando Paul encontra Lou (Leila Bekhti), atendendo numa brasserie, e esta lhe diz que já foi tratada por um problema de apendicite por ele, estranhamente Paul começa a receber buquês de flores em sua casa e no seu consultório, provocando uma reviravolta em sua vida. Ele desenvolve uma relação de afeto por Lou à medida em que se aproxima dela, comovendo-se com sua vida quanto mais a conhece. O efeito é semelhante ao provocado na personagem de Woody Allen, Rowlands, em A Outra (Another Woman, 1988), uma mulher fria, metódica e organizada, cujos medos parecem despertar ao escutar, por acaso, a história de uma jovem grávida ao seu psiquiatra.

Em determinados momentos do filme, Paul mostra o quanto sua vida corre sem sentido, como quando confidencia ao seu amigo que nunca sonhou com nada e que deixou a vida rolar como uma pedra. Não é a mesma preocupação de Ivan Ilitch (A Morte de Ivan Ilitch, 1886, de Tolstói), um dedicado burocrata, que sempre buscou uma solução para sua vida pessoal e profissional que fosse satisfatória diante de seus amigos mais altamente colocados, e que ao descobrir-se com um problema na região do rim que lhe encerraria a vida, reflete que estava descendo a montanha achando que a galgava?

O mistério em torno da jovem atendente, Lou, é resolvido de maneira surpreendente, mas em harmonia com a obra. As paisagens bucólicas e a trilha sonora estão em plena sintonia, revelando muito sobre a busca pela estabilidade e a irreflexão do personagem principal em torno de um estilo de vida previsível, constante e seguro.

NOTA: 8,5